quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Analepse

Havia tanto tempo, tanto que pensava já ter esquecido o tempo em que amava o meu amante, tanto que deixaste de me entrar na cabeça e nos sonhos e comecei a ter sonhos plausíveis de serem realidade, tanto que já não sentia nada, nem amor, nem ódio, sentia com lucidez e sem remorso. 

Havia tanto tempo que deixei de ter saudades, deixei de me afundar, pisei chão seguro e segui em linha recta, deixei ilusões e desilusões para trás, havia tanto tempo que me sentia feliz outra vez.

Havia tanto tempo e um vislumbre de ti atirou-me para trás no tempo, não foi saudade o que senti, nem sei o que foi, só sei que me entrou no corpo e na cabeça, foi um formigueiro, um devaneio, vontade de gritar, sussurrar o quanto te odeio, um assomo do que fui enquanto fui de ti.

E tu ali a olhar,  tremeste, trespassaste-me e nem hesitaste, sei bem que quiseste mendigar o meu afecto, pegar-me na mão, dar-me um safanão mas não para me acordar, somente para fazer mossa, para agudizar a dor que havia tanto tempo deixei de sentir. Guardo-te igual, cheio de amor doentio mas cobarde e não se ama a medo, sei que se cair tu não voltas atrás para me levantar, assim, fiz que não te vi para não me lembrar de ti, nem desta dor que por momentos voltou e havia tanto tempo que o tempo enterrou...

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Home


Ainda aqui estou, não sei bem o que espero, tenho este hábito estranho de esperar mesmo com a certeza de nada de novo. 
Ainda aqui estou, mesmo depois da mentira, mentira atrás de mentira, eu odeio mentiras, nada de novo, não sei porque ainda aqui estou.
Ainda aqui estou, longe de mim, quase tão longe de mim quanto de ti, na verdade nem te quero por perto, não quando não há nada de novo que não seja uma mentira mas por enquanto ainda aqui estou.
Ainda aqui estou, vou continuar por aqui até que entendas o quanto estou longe de ti, de mim, de nós, até que entendas que odeio mentiras e que pares de as contar, até que aconteça algo de novo ou me canse de esperar. 
Ainda aqui estou, de corpo porque a alma já partiu há tempo demais mas o corpo esse teima em permanecer.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Relieve



 

O braço que nos separa é a angústia. Revolve-me por dentro, transtorna-me as entranhas. Tenho dores, dói-me o corpo, a cabeça, a barriga. Cabe-te arrancar esta angústia de mim, a ferros, com as mãos, esventra-me se for preciso, no fundo, só preciso de uma palavra.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

As I am

Encerro neste espaço todas as palavras que te quero dizer mas não digo porque te parecem lamechas. Vou debitando letras e pontos,juntando em frases todos os sonhos que tenho contigo e nem sequer sabes que existo aqui. Odeio esse olhar patético quando te leio Neruda que tanto amo, quase tanto como a ti, o ar jocoso com que repetes a última frase de qualquer desses poemas. Odeio a ironia nos teus gestos quando me percebes a inteligência em qualquer conversa banal, é sentir que no fundo não me conheces porque se conhecesses não me zombarias assim. Deambulamos juntos nos sonhos mas acabamos por divergir no caminho que a eles nos poderia levar, é nesses momentos que ponho em causa a nossa existência e a simultaneidade do nosso amor, evidentemente há uma falta de constância em nós dois e permito-me perguntar onde isso nos levará. Tenho a certeza que nunca me conhecerás de verdade porque quando me dou a conhecer tu finges que não ouves, surdez da alma que me trespassa. Tudo passa, menos o presente que desejo como futuro, tudo passa, menos esta vontade de ficar, tudo passa, menos este amor absurdo e sem sentido que tenho por ti, tudo passa, um dia também hei-de passar.


quarta-feira, 25 de junho de 2014

Chocolat

 Na verdade não sei o que gosto mais em ti, se esses arrufos de amor quando me sentes a falta, se esses traços vincados de pirralha mimada com todo o saber na ponta da língua. Para ti não há meio termo, ora me abraças sofregamente como se nada mais houvesse que não eu, ora me gritas o que não gostas com as essas mãos pequenas mas atrevidas no ar ou na cintura. Personalidade enorme num corpo pequeno, vincada como se uma vida inteira se tratasse, rebelde e insolente mas de sorriso envergonhado quando percebe o que sente. Admito agora que para ti há um meio termo, quando me pedes o aconchego da barriga na hora de dormir  e me dizes invariavelmente "não é frio, não é quente, é morninho com chocolate!" e eu te respondo sorridente "como o meu amor por ti!"

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Love

E hoje, enquanto te adormeço, torço por ti, reitero todos os meus desejos de que sigas feliz como só tu no teu pequeno mundo consegues ser. Sinto-me tão pequena enquanto te desenho os lábios perfeitos e não me resigno a esse Deus em quem não acredito e ao qual não rezo. Desisti há muito de tentar perceber porquê a ti e não a mim, apenas razões estúpidas poderiam ser uma razão. Mas não desisto de ti nunca, com todas as tuas maleitas e imperfeições que fazem de ti o ser mais perfeito do meu mundo. Curo-te as feridas, encho-te de colo e de mimo e embalo-te no meu regaço e amo-te cada vez mais e de cada vez que me enches de dores e de cada vez que te salvo a vida. Tenho um buraco no peito, sinto-o fechar só de olhar o sorriso que brilha no teu rosto enquanto o sono te toma e me dizes "gosto tanto de ti". Sabes que podes fechar os olhos que estarei sempre ali para afugentar todos os teus fantasmas e colorir os teus monstros, sei que acreditas em mim, palavra por palavra, em todas as promessas que te juro e que fechas os olhos e que adormeces sempre feliz.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Give back


 

Carrega a tua sombra como se de um espelho se tratasse, não para te veres, para veres os outros. Quando feres, sente o espinho. Quando usas, sente-te usado e quando amas, sente-te amado. Ao meio-dia sentes-te sozinho e na noite isolado mas carrega a tua sombra como se de espelho se tratasse.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Deception

Ás vezes, de uma forma doce sentes o amargo da rejeição, partilhas o que sentes porque te sentes numa clausura sem fronteira confinada a algo que te deixa espaço demais. Tens de dizer o que sentes, o coração sai-te pela boca mas tropeças nas palavras porque desafias a estabilidade do pouco que nem é teu. Queres tanto isso, queres tanto o pouco, vives a vida a precisar de alguém muito mais do que esse alguém precisa de ti, deixas que te defina os limites quando os limites são teus. 
Só tu sabes onde acabas.
Acabas por dizer, por medo ou por coragem mas acabas a dizer que se te deixasse, ai se te deixasse, sentir-te-ias pequena ao pé desse alguém, de tão grande que é. Queres dizer "amo-te" e aguardá-lo de volta mas dizes apenas "gosto de ti" porque não te custa dizer amo-te, custa que te devolva "não te amo" ou "nem sequer gosto de ti".
Dizes que se não te amar não faz mal, assim não tropeças mais, assim continuas caminho, arrepias atalhos à procura de outro ser ou apenas de seres. Assim já podes adormecer, desprovida de sono mas cheia de sonhos. Assim páras de imaginar, assim páras para adormecer, contudo, para adormeceres lambes as lágrimas da decepção. 
Esqueceste que só tu sabes onde acabas.

Rain



Odeio o vento que me tolda o pensamento, leva-me as palavras, as doces pelo menos... Prefiro a chuva, nela me aninho e animo, salto nas poças e lambo os pingos, sacudo os cabelos enroscados de água. Visto-me de calças velhas, camisola amarrotada e livro-me dos sapatos, aguardo debaixo de uma nuvem negra, espero a chuva que desaba e me arrebata, nela me encontro e me encho de palavras e coragem, de punhos erguidos grito tudo o que sinto e lavo a alma e o pensamento. A amargura arrasta-se nos riachos efémeros que apenas persistem enquanto chover, tal como as minhas palavras perdurarão enquanto a chuva cair ou o silêncio as corroer.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Existence

 


Hoje o problema não é agir, é interagir.
Hoje o problema não é existir, é coexistir.
Hoje o problema não é estar, é permanecer.
Hoje o problema não é viver, é persistir.
Hoje desaparecia, se pudesse desaparecia.











sexta-feira, 4 de abril de 2014

Fade

Foi sem querer que pus a morte em mim, foi por querer demais ou por nada querer, não sei porque foi mas sei que foi sem querer. Pus a morte em mim por querer silêncio, por não saber sofrer ou até por me sofreres e as tuas dores me doerem demais. Eu pus a morte em mim, sem razão, sem pensar, apenas um desejoso de descansar dessa dor consentida que é amar. Pus a morte em mim e não me arrependi, quebrei-me de certezas e apaguei que pus a morte em mim pois não a quero em ti e foi em ti que vi, que pus a morte em mim.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Sheep

Apaixonei-me por ti uma noite de Janeiro, assim... sem dares por nada e sem te conhecer, deixei-me levar pelo teu sorriso. E nem aquele chapéuzinho ridículo que usavas me impediu de me apaixonar por ti. 
Ouvia-te sempre pelo canto do olho e sorria para dentro, assim... sem ninguém ver. E nem as piadas idiotas que dizias me impediram de me apaixonar por ti.
E seguia-te por onde me era permitido e tudo o que dizias imaginava que era eu, era eu nas tuas palavras e chorava quando eram cruéis e julgava-me assim tua sem sequer saberes que gostava de ti.
E eras tão fútil,  tão triste sempre a rir, sempre atrás das outras ovelhas e a julgares que eras o cão mas não, eras apenas mais uma e eu sabia... mas mesmo assim gostava de ti.
Até ao dia que me sorriste e me viste por trás daquele chapéuzinho ridículo, saíste do rebanho e por uns tempos achei que havia um final feliz para ti, até ao dia que te entendi.
Nunca serás mais que aquilo que sempre foste, porque limitas a tua capacidade de sonhar ao tamanho do teu rebanho, qual rebanho? esse rebanho que nem é teu! E fui deixando de te amar e foi simples e se sempre me custou deixar de gostar de alguém, de ti não. Quem vê o mundo tão pequenino nunca poderá crescer, nunca sairá do rebanho, nunca será cão! Nunca serás cão!